2019, o ano da liberdade

O que significa ser livre para você?

Flay Alves
3 min readJan 19, 2020

Eu adoro tematizar os anos. Isso começou lá em 2016, quando fui fazer intercâmbio. Decidi que 2016 seria o ano das paixões. 2017 foi o ano do desapego. 2018 foi o ano da cura. Mas até agora não consegui escolher uma palavra que defina 2019 porque 2019 foi uma montanha-russa.

Senti tudo. Raiva, mágoa, tristeza, ressentimento, inveja, dor. Culpa, ciúmes, possessão, carência, sede de vingança. Liberei minhas sombras a torto e direito. E só então pude me sentir… Livre.

Liberdade. Talvez essa seja a minha palavra para 2019. Mas não essa liberdade bonitinha e cheirosinha. Não me refiro a essa liberdade que a gente posta nas redes sociais, de braços abertos e cara de serenidade.

A liberdade a qual me refiro me fez sangrar. É um tipo de liberdade suja, quase imunda. Que me fez expurgar todos os meus fantasmas. A busca pelo amor romantizado e utópico. O ego e a gana por status. A pretensão de se bancar.

“Eu dou conta de mim mesma”, sempre falei algo desse tipo. Dei não. Desabei feito uma condenada. Chorei no ponto de ônibus, na estação de trem, no topo da montanha. Desabei mesmo. Me estatelei no chão. Fui rasgada pela vida.

Mas sobrevivi. E esse foi o grande trunfo de 2019. Resisti a dores e acontecimentos que, tinha certeza, iriam me destruir.

Imaginem meu pavor e espantamento ao perceber que, apesar de tudo, eu ainda estava aqui. Foi assombroso, confesso. Me fez olhar no espelho diversas vezes e me questionar: garota, como você ainda está aqui?

Sei lá. Acho que ao me permitir enxergar minhas partes feias me dei conta, enfim, de que elas não eram assim tão monstruosas quanto supunha. Pelo contrário, toda essa vontade bélica de eclodir meu mundo interior, todo o caos, todo o estar perdida, me pareceu algo bastante humano, na verdade.
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Quando tudo desabou, caminhei sem rumo por ruas desconhecidas e, enfim, me encontrei. Não pensei em plano de contingência nem em como amenizar o caos.

O mais louco disso tudo é que, quando meu mundo desabou, eu voltei a ter fé. Acreditar tornou-se o único caminho possível para seguir adiante. E seguir adiante era tudo o que importava.

Ainda é, na verdade. Não tô nem aí para as probabilidades ou para os erros do passado. Tudo o que quero agora é dar o próximo passo, o próximo salto, é pegar o próximo voo, é entrar no próximo ônibus e ir. Aprender a partir, sabe? Dos meus sonhos, dos meus amores, das minhas dores. Pegar o que tenho aqui dentro, colocar para fora, fazer germinar, deixar crescer, florescer e morrer.

Isto para mim é liberdade. Apreciar a beleza da transitoriedade da vida.

Existem sim sonhos e projetos de vida, até mesmo legados que queremos deixar para o mundo. Mas, acima disso tudo, existe eu e você e um fato óbvio demais para ser ignorado: não somos para sempre.

Estamos tão acostumados à segurança de nossas certezas vãs e escorregadias que simplesmente fechamos os olhos para isso. Mas não se engane. Não somos para sempre. Somos de carne, osso e um punhado de vulnerabilidades.

E pode ser que hoje o único prazer que ainda nos reste, a única grande conquista que nos caiba, dentro dessa linha do tempo incerta e finda, seja apreciar o pôr do sol num fim de tarde, ou quem sabe comer um pedaço de chocolate, ou talvez dar um abraço carinhoso nos nossos entes queridos.

Sou Flay Alves, escritora que percorre o mundo fazendo voluntariado e expedições literárias e compartilha vivências e reflexões sob a ótica de uma viajante mulher, negra e nordestina. Acompanhe meus relatos diários no IG.

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Flay Alves

Escritora e jornalista antirracista, feminista e itinerante. Autora de Donas de Si. Escrevo sobre a potência da vida e o encanto de ser gente. Insta flay.alvess